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Pandemães

Ser mãe durante uma pandemia. “mas já são 10 mil mortos só no país? tenho que ver se o feijão já pegou pressão.”

Ser mãe durante uma quarentena. “meu deus, hoje eles não saíram do esquema tv-telefone (o meu telefone) por horas. minha filha, coloca as meias!”

Ser mãe enquanto trabalha em escritório caseiro “peraí que a mãe já vai… droga, que aba eu ia abrir mesmo?”

É como se tudo tivesse uma lente de aumento. A nossa consciência e a nossa responsabilidade. A nossa criatividade e o nosso cansaço. A nossa culpa. Porque ser mãe é sentir culpa o tempo todo, ao menos eu achava assim até a roda viva apresentar um novo formato. Um formato onde, por mais que meus filhos sejam dependentes de mim, eu também sou deles, e muito. Fica difícil avaliar enquanto vivemos essa nova fase, principalmente pra tentar, de maneira definitiva, dizer o que mais mudou. Porque simplesmente tudo mudou e ao mesmo tempo nada mudou.


Fotografia por George Skadding / LIFE MAGAZINE, 1949

Ainda estamos em 15 de março, na nossa casa, nos preparando para uma semana de aulas, caminhadas, rotinas. Só que essa semana nunca chegou e de repente já estamos quase na metade do ano celebrando um dia das mães que nem vimos chegar.

Todos os dias tem sido o dia dos filhos e é até engraçado precisar escrever sobre isso. Sobre o emprego que nunca terá salário suficiente que pague, mas com os patrões mais exigentes do universo. É home office toda hora, não tem essa. Larga o computador - com o teclado engordurado e marcas de dedinhos na tela - pra servir um iogurte, limpar uma criança que chama do banheiro, pra inventar uma nova brincadeira e tudo com prazo estourando.

Desde que decidi abandonar de vez a rotina de trabalho que há anos me consumia, vi que o momento era de ficar em casa trabalhando e tentar criar novos momentos. Mas eram momentos opcionais, ocasionais, especiais. Agora são 24 horas por dia, encaixando a rotina do trabalho autônomo com a rotina da mãe solo.


Sou mãe de duas crianças - uma menina de quatro e um menino de nove - e moro sozinha com eles, desde que a pequena fez cinco meses, então, estou meio que acostumada a fazer tudo de um jeito mais independente e non stop. Essa semana mesmo, enquanto meu filho falava em me fazer um cartão pela data comemorativa, ele questionou à minha filha o que ela achava que a mamãe mais gostava. a resposta dela foi doída: a mamãe gosta mesmo é de trabalho.

Porque ela só me vê trabalhando e essa é a realidade da mãe na pandemia. Ou essa é a realidade da mãe sempre, vai saber. Já não me dissocio da maternidade há muitos anos e tenho zero arrependimentos quanto a isso. Já ao trabalho não é algo que goste de ser associada, ainda mais por uma filha. Mas é o que ela vê e é como citei a exemplo bem no início do texto. A gente vai fazendo e acumulando sem poder parar.

Não pode chorar desesperada de medo do coronavírus porque os filhos precisam de alguém que acalme. Não pode consumir muita notícia pra que não aflija, mas também não pode deixar muito alienado a ponto de acharem que são férias. Não pode sair de casa e tem que dar o exemplo, mas tem que botar comida na mesa fresquinha e nova indo no supermercado de máscara mesmo sem querer. Não pode dizer que tá de saco cheio mas também não pode ficar dizendo que tá tudo certo. E a mais difícil pra mim: tem que dizer que vai ficar tudo bem mesmo quando se sabe mais.

 

Eu não sei se vai ficar tudo bem. Tu sabes? O que eu digo é que o momento é novo pra todo mundo, que a mamãe nunca passou por isso, mas que ela se sente muito forte tendo os filhos ao lado. não gosto de mentir principalmente pra filho, então eu falo dentro da minha limitação. Eu quero que passe. Eu não sei quando vai passar.


 

O que eu sei é que tem um monte de campanha publicitária enaltecendo a mãe que existe em cada mulher que optou pela maternidade, que existe jornal falando de como os filhos estão mais felizes com os pais em casa, que tem famoso dizendo que não aguenta mais ficar esse tempo todo com as crianças, e que eu sinto falta de uma sonequinha no meio disso tudo.

Existem as mães cansadas das aulas a distância, existem as mães que não sabem como ensinar seus filhos, existem mães que dependem do silêncio pra trabalhar e existem mães com tanto a dizer.

Eu não tenho vergonha alguma de tudo o que carrego comigo, mas tenho culpa pelo cansaço. Eu disse, ser mãe é sentir culpa o tempo todo. mas cada um escolhe as suas batalhas e a batalha de quem cria novas pessoinhas no meio disso tudo e com um mundo sendo renovado (ainda não se sabe pra onde) é essa: segurar as pontas e carregar junto os filhos pro desconhecido com uma certeza, a de que vocês estão juntos.

Enquanto a criança tiver segurança e confiança em ti, pouco vai sobrar dessa culpa. E aí eles vão lembrar de quando viram aquele filme contigo no sofá, de quando vocês tentaram fazer pão e ele não cresceu, de jogar stop e sim, também de ver a mãe “no” trabalho. Eles vão saber que tem alguém trabalhando esse tempo todo por eles, pra eles, com eles. E isso não se chama culpa, se chama honra.


E se todo mundo sente falta do toque, da convivência, do abraço, do carinho, eu só posso dizer que, apesar das dores no corpo e da cabeça cheia, apesar do medo de adoecer e do receio do futuro, eu tenho todos os dias os melhores bracinhos em volta de mim. Pego nas mãozinhas mais fofas do mundo e ouço os eu te amo mais gostosos. Ver criança brincando te dá muita força, é impressionante. e cada minuto bom, bonito ao lado dos meus filhos é um minuto a menos pensando na parte ruim que nos rodeia. Nossa bolha vira luz, nosso caminho fica obscuro ainda, mas contínuo, pra frente.


 

O peso? Ah, esse aí a gente calcula depois. Tá todo mundo cansado. A gente que é mãe só tá um pouquinho mais. Feliz Dia das Mães trabalhadoras, das mães corajosas, das mães vitalícias, das mães que tratam a pandemia como só mais um dia de bagunça. E não é a vida toda assim?


Manoela Bandinelli

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