É o fluxo, não adianta!
Esse texto começou quando eu terminei de escrever sobre propósito. Mas ele se intensificou quando o Sérgio, um dos trabalhadores que divide espaço físico com a gente, me contou uma história.

Era já fim do expediente quando o Sérgio me disse, aos berros, do andar de cima: “Meu, eu tenho uma história de transe coletivo muito louca!”. Sérgio é artista. A gente espera ouvir coisas desse tipo de tempos em tempos. Fomos pra rua e ele me deu mais detalhes. Era uma festa de rua, ele me relatou que todos dançavam no mesmo ritmo. Pra quem via de fora, era uma multidão pulando em sincronia. Pra quem tava dentro, era um misto de suor, sorriso e harmonia.
Então uma das pessoas parou, cansada, curvou as costas e colocou as mãos sobre os joelhos. “Ele parecia que tinha se entregado” disse o Sérgio, seguido de “mas eu não queria que ele parasse”. Então ele empurrou o homem gritando “VAMOS!”. Nesse meio espaço de tempo, todos dão um paço pra trás, deixando só o Sérgio e esse outro participante no meio. O homem olha pra trás, furioso. Sérgio vê que, na verdade, a altura desse homem era maior do que parecia quando ele estava de cabeça baixa. Foi assim que Sérgio ameaça um soco e sai correndo na direção do homem, que faz o mesmo movimento em direção ao meu amigo.
Aqui eu interrompi e disse “fodeu né?”. O que esperar? Sinceramente? Ainda bem que eu estava errado: os dois pularam, se chocaram, caíram pra trás, riram e todos voltaram a dançar. Sérgio descreve isso como se tudo fosse ensaiado. Parece mentira. Mas pra mim é outra coisa.
Como estudante de administração, todos os lugares que eu trabalhei e que se relacionavam a minha área, colocavam pautas no meu trabalho. Eu sabia que desde quando chegasse até a hora de sair, teria uma grade de atividades. Geralmente essas atividades eram postas ou por superiores (que por ora tentariam otimizar ao máximo essas tarefas na relação operação x tempo) ou por demandas do mercado (e aqui entram desde atendimento a clientes até operações bancárias). Eu nunca me dei bem com esse modelo. Mas sempre o defendi. Era tão coeso e funcional. Essa história de maximização e produtividade máxima soava tão bonito. Mas, apesar de tudo, no fundo eu sentia que não estava obedecendo o meu ritmo natural. Até que isso começou a prejudicar minha saúde mental. Comecei a repensar esse tipo de metodologia dentro da administração numa conversa com meu amigo, Guilherme Lito. Ali eu disse que não estava mais vendo sentido em frases do tipo “maximização de lucros”. Então, ele me disse o que hoje eu falo pro máximo de pessoas: "Esse tipo de expressão faz como se a gente tivesse de esticar o propósito das coisas. A natureza não faz isso, por isso você se incomoda. Você não pode esticar, maximizar ou erradicar tudo na natureza. Algumas coisas podem se romper nesse processo."
Mas como mudar isso?
Vivemos, desde o início da nossa vida escolar, sendo educados a esperar que alguém escolha algo para nós fazermos durante o nosso tempo: faculdade, trabalho, café pro networking, cursinho de inglês, leitura do jornal matinal, dieta low carb, cross fit monstro, e, vejam bem: hobbys. Nem o nosso tempo livre é tão livre assim. Ociosidade (palavra que redescobri durante a gestão de processos do último emprego formal que tive) é uma coisa ruim e sinônimo de improdutividade.
Como eu vou fazer pra isso parar?
Tenho estado nessa luta de autoconhecimento durante a minha jornada de trabalho também. E, olhando pra trás, posso considerar alguns estágios que estão me colocando no caminho da autogestão. Mas o que é autogestão? É tão explicativo quanto o nome: é a capacidade que temos (legítima e natural) de nos auto-organizar. É quando você decide o que, como e quando fazer. E isso beira a anarquia! O que não é uma ideia totalmente ruim e muito menos “utópica” como sua professora de história ou sociologia disse durante definições de modelos políticos no ensino médio. Quando trazemos isso para grupos sociais podemos chamar esse sistema de anárquico sim. É quando todos os integrantes dos grupos conseguem ser autogeridos (numa definição tão profunda quanto uma colher). Isso, em teoria, funciona, considerando que, quando empreendemos nossos propósitos, e levamos para o grupo, eles se encaixam de forma harmônica, já que sua origem é natural. E na natureza nada se perde, tudo se transforma, se ressignifica, se encaixa. O fluxo é perfeito, não adianta.
Mas isso não é fácil, obviamente. Vivemos ainda num mundo que não se organiza mais de forma anárquica e, além disso, cultivamos pensamentos de dependência no desenvolvimento da nossa sociedade. Embora estamos resgatando isso, não estamos mais acostumados a viver em rede e, por isso, autogestão e anarquismo podem parecer ideais obsoletas e não-funcionais (mesmo com a Internet, mas isso é tópico pra outro texto). Mas prefiro acreditar que só não chegamos no tempo de aceitar esse modelo de organização. Gosto de acreditar também que precisamos construir com a nossa mão o futuro que queremos. Por isso, vou dividir algumas etapas do processo de me tornar meu trabalho mais auto organizado e prazeroso:
1. Experiência:
Temos cinco sentidos. Usamos pra tomada de decisões apenas um, geralmente. Se eu não gosto do cheiro eu não como e se eu não gosto de como eu vejo eu não visto. Algumas coisas, na maioria das vezes, se ressignificam quando experimentamos de outros jeitos ou acionando outros sentidos. Vejo o trabalho da mesma maneira que esse prato ou aquela roupa. Eu preciso viver as atividades, os processos. Preciso saber o quanto eu me desgasto, o quanto eu sorrio, se eu consigo usar fone de ouvido durante a execução, se ela não faz muito sentido, se ela me desenvolve em alguma área, qualquer coisa! Essa experiência nos cria uma espécie de banco de dados.
2. Mapeamento de atividades:
E, depois de ter vivido, eu começo a ranquear essas atividades. Começo a ver que gosto muito de montar PPT, acho que montar gráficos não é tão emocionante e que preencher tabela é um saco. É agora que eu começo a mapear o que eu gosto e o que eu não gosto. E, quando confronto todas elas e agrupo por afinidade, vejo que faz sentido eu sentir mais prazer em umas tarefas do que em outras. E que, as tarefas que eu gosto, faço com mais facilidade e com melhor qualidade. Eu quase sempre estou motivado a fazer elas.
3. Mapeamento de locais, dias e horários
Eu sou o tipo de pessoa que ama segunda-feira. E não é por nenhum significado enrustido na ordem contrária do mundo andar. Eu não sinto nada por nenhum dia da semana, mas segunda-feira, justamente por todos odiarem, eu já espero o pior: e é ali que eu deixo todo o trabalho de financeiro pra fazer. Nas quartas-feiras, pós-sessão de terapia, eu sempre vou pra um café e desenho, geralmente sai alguma ideia boa. Já nas sextas eu sei que eu não vou produzir, então tento organizar o mínimo de coisa importante pra esse dia. Fora que, eu sei que planejo pauta muito melhor fora do ateliê, então prefiro ir a cafés pra fazer isso. Eu tenho ideias muito melhores a noite, o que é motivo para uma bela insônia. Mas prefiro atualizar o financeiro em casa e cortar tecido no ateliê. E esse tipo de mapeamento também é importante tanto pra que eu otimize meu trabalho e consiga ser mais eficiente nas tarefas. Eu sei onde, quando, como e com o que eu sei produtivo.
4. Status de trabalho:
Aqui existem duas possibilidades: ou você trabalha sozinho (1), ou você divide espaço com mais pessoas (2) ou você faz parte de alguma equipe (3)
4.1. No caso de você trabalhar sozinho, ter claro o status de cada trabalho pode ajudar para o fluxo correr mais naturalmente. Entenda: métodos ágeis não corrompem a naturalidade dos processos, eles lapidam. Nos deseducamos para trabalhar de acordo com uma intervenção externa. Acredito que metodologias servem para voltarmos algumas casas. Por isso, aconselho a ter os processos relativamente definidos das tarefas, além de sempre mapear, atualizar o status em que elas se encontrem. Pra quem trabalha sozinho, isso é extremamente importante pra não esquecer de nenhum detalhe e nem deixar uma atividade pra trás.